Como havia prometido, trago aqui um segundo testemunho. O texto que posto a seguir pertence ao Guilherme Chacon, outro aluno do segundo ano do Ensino Médio (e que, por sinal, é da mesma turma da aluna Francine – post anterior). Achei legal colocar o texto dele logo após o da Francine para que se possam ter dois olhares sobre uma mesma questão.
Francine, em seu texto, demonstrou um aspecto mais emotivo ao falar sobre a importância de ler, ou melhor, de gostar de ler, sem ter medo de enfrentar as trocentas páginas de um livro. Já o Guilherme traz uma visão mais racional e igualmente importante.
Por que ler? Bem, para essa pergunta, creio que muitos já saibam a resposta. Sim, todo mundo deve saber, de tanto que a suposta resposta para essa questão vive sendo repetida. Pela mídia, por professores, por qualquer pessoa que esteja atento ao que se fala diariamente, mecanicamente, insipidamente por tantos indivíduos.
Fala-se muito por aí sobre a importância de ler. Dizem que isso é necessário para escrever bem, para se expressar bem. Para crescer como pessoa ou, pelo menos, para passar no vestibular. Exato. Isso é dito o tempo todo, para quem quiser ouvir. E talvez, por falarem demais, as pessoas não escutem devidamente.
Eu fico preocupada, pois sempre me estresso com coisas importantes que são banalizadas. Sei que é importante repetir que ler é importante, mas eu gostaria que as pessoas que falam isso o fizessem de forma menos mecânica, realmente acreditando em suas palavras, e não dizendo apenas porque ouviram alguém dizer e acharam isso bonito. Sabe, eu realmente gostaria que as pessoas que pronunciam essas palavras “ler é importante” o fizessem não para que essa informação entrasse por osmose na cabeça dos outros. Eu queria que essa frase fosse dita por quem realmente tivesse um testemunho a oferecer. Gostaria que quem falasse sobre a importância da leitura, tivesse uma história para contar. Porque só assim, essa informação deixaria de ser vazia, impessoal, distante e passaria a carregar um sentimento.
E somente assim, essa verdade sobre a importância da leitura alcançaria verdadeiramente as pessoas. Afinal, como poderíamos sentir aquilo que não traz sentimento em si? Mais que uma questão de léxico, certas verdades precisam mais de sentimento em si, do contrário, não poderão ser devidamente sentidas e, por conseguinte, não teriam a necessidade de sentir.
Sim, é disso que sinto falta. De palavras menos vazias. De verdades preenchidas com sentimentos reais. De verdades verdadeiras.
O Guilherme escreveu um texto sobre algo que, para ele, é bem real. Eu sei. Em sala, ele sempre vem me falar ou sobre um livro que está lendo, ou sobre livros que ele quer ler, ou sobre livros que eu poderia sugerir a ele que lesse.
E eu fico realmente impressionada em ver a velocidade com que ele lê. É daquele tipo de aluno que literalmente devora um livro. E com prazer. Por isso, emprestei a ele um livro chamado Fahrenheit 451, do Ray Bradbury. Eu li esse livro quando fazia meu curso de Letras, em uma matéria que trabalhava a importância de se relacionar Educação e Literatura. Lembro-me de como me senti marcada por ele. Por isso, é um livro que costumo emprestar para alunos que sinto serem capazes de se marcarem por ele como ocorreu comigo.
O livro, para quem quer saber, fala sobre um futuro em que livros são proibidos. Exatamente; uma época em que ler se tornou proibido. E por quê? Porque ler é a principal ferramenta para se criar um ser pensante, crítico. Nesse livro, pessoas capazes de pensar por conta própria são consideradas subversivas e, portanto, perigosas. Chega a ser surreal; quando se descobre, nessa sociedade futurista, que alguém esconde livros em casa, bombeiros são enviados para lá às pressas, a fim de queimarem essas obras. O número 451 refere-se à temperatura (em Fahrenheit) em que o papel incendeia.
Fica a dica de leitura para quem se interessar. O Guilherme, para variar, leu muito rápido. E, por encomenda minha, escreveu um texto no qual ele disserta sobre o porquê de se ler, sobre a importância da leitura na vida de uma pessoa. Ele utiliza os argumentos já conhecidos, mas em suas palavras, é possível ver que ele não é apenas mais um papagaio que apenas repete o que ouviu de outros. O Guilherme lê. E, por meio de ironias e frases de que muito gostei, ele consegue passar essa visão de quem realmente sabe do que está falando:
“Por que ler?
É cada vez mais comum notar pessoas passarem seu tempo livre vendo televisão, deixando-se levar pelas opiniões que veem nos programas em vez de formular um próprio ponto de vista. Além disso, a facilidade dos fones de ouvido acabou tornando as pessoas reduzidas a um mundo diminuto e limitadas ao que as diverte; perdendo, consequentemente, o senso crítico. Ou seja, as formas de entretenimento mais presentes são, atualmente, as mais fáceis e as mais frívolas (televisão e música). No entanto, é cada vez mais difícil encontrar pessoas que leem - não por obrigação - em seu tempo livre.
Por isso mesmo é importante ler. A partir do momento que a maioria das pessoas não leem e estão alienados pelos outros meios de entretenimento, ler se torna algo diferencial. Ademais, a mesma diversão que se pode conseguir assistindo televisão ou ouvindo música, consegue-se lendo livros. A diferença é: o que se ganha assistindo TV ou ouvindo música além da diversão?
Bem, assistir televisão e ouvir música é, com certeza, mais rápido e fácil. Justamente, por causa desse “imediatismo” que as pessoas preferem isso a ler um livro. Realmente, é uma maneira bem divertida de se ficar excluído e perder o próprio senso crítico.
Do outro lado, ler um livro é uma outra via, de certa forma oposta, para se passar o tempo livre. Além de todos aqueles clichês, que todos já estão cansados de ouvir - maior vocabulário, melhor escrita, maior contato com culturas diferentes - sobre a importância da leitura, ler é interessante, principalmente, pelo fato de trazer a mesma diversão que uma música ou programa de televisão e, ademais, ativar a mente. Durante uma leitura, há um diálogo contínuo entre os pensamentos e o livro que, no final, estimula o senso crítico e a formação de vários pontos de vista. Além, é claro, de todo o conforto e prazer do momento da leitura. Em suma, ler é uma vantagem perante o resto e é também prazeroso.
A escolha sobre como passar o tempo livre é individual: ou ficar reduzido à exclusão das massas ou ser diferencial e racionalmente ativo.”
Eu gostei muito do fato de ele mencionar a questão da TV e da música. Por favor, entendam bem. Não estamos aqui discriminando nem uma nem outra. Mas a questão é simples. Ler ainda é uma tarefa que exige mais. Exige capacidade de abstração. Exige a capacidade de a pessoa conseguir ficar bem sem mais ninguém. Sem que haja outras vozes, senão a sua própria.
Essa é uma das maiores dificuldades em se ler. A maioria das pessoas, nos dias de hoje, tem dificuldades de estarem sós. Algumas pessoas talvez digam que não, que podem perfeitamente assistir à TV sozinhas, ou que gostam de escutar música sozinhas.
Entretanto, a verdade é por esses meios de comunicação, a mensagem, a emoção e o prazer são levados ao seu interlocutor por uma voz ou por uma imagem que já facilitam a recepção desse prazer. Volto a dizer; isso não desmerece o prazer causado por essas formas de entretenimento. Mas são menos difíceis de se obter.
Quando se lê, lê-se realmente sozinho (a não ser que alguém leia para você, mas aí é outra história). É você, e você apenas, entrando em um mundo que somente você pode construir. As frases, as palavras escritas naquela folha terão o peso da emoção que você quiser dar a elas. Os personagens terão o rosto e as vozes que você der a elas. Mesmo que se descreva tudo isso na história, ainda assim, o mundo que você criar a partir da sua leitura será seu, e apenas seu.
E, por ser uma atividade solitária, ao término da leitura, as impressões que lhe ficarem serão suas. Alguém pode até querer vir dizer a você algo sobre o livro, mas ninguém jamais poderá lhe dizer como se sentir após lê-lo. Isso pertencerá apenas a você.
Com tantos personagens e mundos que você, ao ler um livro, é obrigado a construir, você acaba fazendo parte deles assim como eles passam a fazer parte de você. É quando você deixa de ser um e passa a ser vários. É quando se descobre a possibilidade de ver uma mesma coisa por várias outras perspectivas. E isso faz com que você se torne uma pessoa mais crítica, mais reflexiva.
É uma tarefa árdua, não se pode mentir. Ler é manter-se racionalmente ativo – adorei essa parte do texto do Guilherme, por ser a mais pura verdade, Aliás, ele mesmo definiu com excelência a forma como essa leitura ativa faz do leitor um pensador independente: Durante uma leitura, há um diálogo contínuo entre os pensamentos e o livro que, no final, estimula o senso crítico e a formação de vários pontos de vista.
Reconheço que executar esse tipo de leitura dá mais trabalho, mas... aquilo que nos exige mais, que nos dá mais trabalho, que nos força ao máximo que podemos oferecer... não é daí que costuma vir o que há de melhor na vida?
Por isso, eu gostei do modo racional como o Guilherme quis ponderar as coisas. Ouvir música, ver um filme... isso nos causa prazer, sem dúvidas. Ler um livro também. Porém, com o livro, você deve exigir mais de outras capacidades suas, que devidamente trabalhadas fazem você crescer como pessoa. Logo, há um ganho a mais, fora o simples prazer adquirido.
Por tudo isso, ler é importante.
Simples assim.
Obrigada, Guilherme.
PS 1: Para quem se interessar e quiser entrar em contato com o Guilherme Chacon, procurem por Chacon Guilherme no Orkut.
PS 2: Algumas pessoas perguntaram, então aproveito para responder por aqui mesmo. Sim, esse blog é válido para ex-alunos meus, sejam eles de colégio ou de cursinho pré-vestibular. É só entrar em contato comigo e manifestar a vontade de participar, que eu retorno assim que puder. (de preferência, entre em contato pelo Twitter: @CamillaYoshico)
Até a próxima! =D