domingo, 26 de setembro de 2021

Cotidiano ou perturbador?

 Olha que maravilha! Estou conseguindo seguir o ritmo que pretendo manter nas atualizações deste blog... Uma vez por semana é uma meta plausível de se alcançar! Sigamos assim!

Hoje, o texto que trago para comentar é, conforme já anunciado na postagem anterior, um conto que me foi enviado em 2019. Estava devendo esta publicação há muito tempo e peço, desde já, muitas desculpas ao meu ex-aluno Gabriel Cotrim pela paciência!

O Gabriel me mandou, na época, dois textos. Dois contos. O primeiro, que ainda não tinha título, era maior que este o qual publico agora... Mesmo assim, eu acredito que em ambos seja possível perceber um estilo, algumas características muito específicas do Cotrim como escritor. Particularmente, um estilo de que eu gosto bastante.

O conto que ele escolheu para ser divulgado aqui tem um acabamento mais maduro que o anterior. É possível perceber um crescimento de um para outro. Adoro quando se torna possível notar uma evolução assim nos escritos de jovens tão talentosos, porque é uma demonstração de que estão explorando possibilidades, testando caminhos, encontrando seu estilo e aprimorando-o...

Como eu disse, notei algumas características do Gabriel em ambos os textos que ele me enviou. Por exemplo, os traços cotidianos que muito me agradam. Eu gosto de contos que se iniciam assim, despretensiosos, mas trazendo uma visão única das rotinas mais corriqueiras. Adoro histórias assim, que tratam de eventos até mesmo banais, mas analisados por uma perspectiva que faz o leitor até se surpreender com o que normalmente não enxerga...

Quando comecei a ler os textos do Cotrim, nos dois casos, tive essa impressão inicialmente. Só por isso, já tinha me agradado bastante! Porém, a leitura seguiu e então... Que reviravolta, que narrativa genial, que desfecho, minha gente! Eu realmente não esperava por algo do tipo! Contos assim são bem mais difíceis de se elaborar. Surpreender de uma forma que tudo faça sentido, casando informações antes apresentadas com o final inesperado... Ora, não é sempre que nos deparamos com leituras assim.

Foram dois os textos que o Gabriel me enviou. No primeiro, eu rápido me deparei com uma narrativa aparentemente sem grandes pretensões no início, mas que vai evoluindo para uma situação bem diferente do que se poderia esperar. No caso desse conto, que é bem maior do que o segundo, o Gabriel quis desenvolver um pouco mais a fundo alguns pontos do personagem, então começamos a vislumbrar, lá pela metade da narrativa, que a história não seguirá o rumo que estamos acostumados a ver. E, de fato, termina de forma bem diferenciada. Gostei muito desse conto também, mas o que vou postar aqui é mais impactante. Talvez por ser bem mais curto em relação ao anterior; talvez porque o Cotrim tenha utilizado com muita inteligência as palavras a seu dispor, de um modo que soube omitir e expor em dosagens muito bem pensadas. Talvez porque ele tenha conseguido construir uma narrativa em que, até a penúltima frase, o leitor tenha uma ideia em mente para, somente na frase final, perceber a reviravolta que sempre esteve ali, à espreita... Enfim, o porquê aqui é o que menos importa. Neste blog, a intenção principal é levar a essa viagem pelas palavras, experimentando as possibilidades que elas nos trazem... E é isso o que vamos fazer agora. Apreciem o (segundo) conto que o Gabriel me encaminhou:

"A Mosca

Então, Bêntin, hoje eu matei uma mosca. Assim, tava lá vendo o jogo e lá vem ela, dando aquele zumzumzum todo pela casa... nem sei de onde veio... Do quinto dos infernos, só pode! Bem, eu até pensei em não levantar, sabe? Não sabia se valia o esforço, mas ela já tava começando a me irritar. Tava aqui ó, no pé do ouvido, zunindo naquele agudo chato... Fazendo barulho mesmo. Perturbou tanto que eu resolvi sair do sofá, pra dar um fim naquela desgraça! Corri quase a casa inteira atrás da danada, até que ela tentou fugir pela janela da cozinha. íiiiiiiiih, foi aí que eu peguei ela!

Meti-lhe um tapa, bati e pisei na safada, só de raiva. Dei um jeito naquele zumbido. E tava ela lá, a desgraçada da mosca, amassada no chão da cozinha. Fui dar uma olhada mais de perto pra ver se não tava se mexendo ainda. Era daquelas mais gordinhas, dava até pra ver aquele sanguinho saindo dela. Ainda tenho que ir lá limpar... Mas naquela hora só fiz pegar uma latinha que tava gelando e voltei lá pra dentro, pra ver meu jogo.

Bêntin, depois dessa história toda, eu fiquei pensando: mosca se escreve com ésse-cê ou com cedilha?"

 

Gente, olha só... Quando comecei a ler, parecia realmente uma história sobre nosso cotidiano, com um personagem longe de qualquer idealização, certo? Seja pela forma como ele se refere à “mosca”, ou pela linguagem dele na maneira de se expressar... A questão é que ele consegue se tornar um personagem não muito agradável já antes de a gente se dar conta do que realmente se passou na situação narrada. Por mais que seja possível se identificar com o incômodo descrito no comecinho – quem nunca se viu perseguido por um zumbido irritante de mosquito, a ponto de perder a paciência? – o jeito como o narrador-personagem conta ter resolvido o problema parece um pouco demais. De todo modo, seguimos com uma narrativa que, para mim, já estava interessante pela imersão no personagem devido à escrita do Cotrim... Mas então...

Ah, então... Quando faltavam apenas algumas poucas palavras para o conto se encerrar, o Gabriel me vem com essa frase: “mosca se escreve com ésse-cê ou com cedilha?”. No momento eu que eu li isso, franzi o cenho. Devo ter demorado uns dois segundos até cair em mim. Daí a breve expressão de estranhamento deu lugar ao espanto boquiaberto, junto a uma exclamação: “Caramba!”

Esse conto, obviamente, funciona apenas por escrito. Oralizado, ele perderia seu impacto. Afinal, a dúvida do narrador gira em torno da escrita correta da palavra “moça”, perguntando a seu interlocutor se o correto seria escrever com “ç” ou “sc” (um dígrafo, a exemplo do que ocorre em “piscina”).

Compreendendo enfim que a dúvida do narrador nos leva a entender que “mosca”, na verdade, seria “moça”, a leitura do conto ganha um novo tom, saindo do aspecto cotidiano e familiar para um gênero de violência mais forte e perturbador. É praticamente impossível não voltar ao início e reler o conto, apenas para enxergar toda a situação agora sob esse novo viés, a fim de sentir que voltamos a ter controle sobre o que lemos.

Que experiência, Cotrim! 

Muito obrigada por esse conto!

Quem quiser conhecer mais do Gabriel Cotrim, pode acompanhá-lo por esta conta no Instagram: @ocotrim_

Vale a pena! 😉

 

E vamos continuar com as publicações! Fico imensamente feliz em anunciar que alunos vêm me procurando para mostrar seus escritos! Já tenho aqui engatilhados três textos para divulgar nas próximas postagens! Muita coisa boa vem por aí, gente! Então continuem acompanhando!! 😊

Beijo grande, pessoas! 😘

Até a próxima!! 🙋

 

sábado, 18 de setembro de 2021

A maçã e a queda

Então estamos de volta. Agora para valer.

Sei que já disse isso antes, mas tenho reais intenções de que, dessa vez, seja verdade mais que verdadeira.

Eu sempre tive um carinho muito grande por este blog. De alguma forma, isso aqui é uma espécie de continuação do meu trabalho feito em sala de aula. Um trabalho que, eu sei bem, nunca poderia se limitar àquele espaço entre quatro paredes.

A literatura, muito antes de se tornar meu principal material de trabalho, sempre foi uma paixão. Esse foi um dos motivos que me levou a querer ingressar nessa profissão: Ser professora e poder compartilhar esse amor pela leitura.

Um outro motivo eu fui descobrindo aos poucos quando já estava dentro da sala de aula. Afinal, naturalmente, alguns alunos vinham conversar comigo sobre livros. E, em várias situações, terminavam me revelando que gostavam de escrever. Mostravam-me poemas, contos, crônicas, reflexões...

Em muitas dessas ocasiões, eu vi talentos tão grandes que, por mais que eu elogiasse todo aquele potencial, ainda me parecia que algo faltava...

Foi assim que este blog nasceu. Ele surgiu da necessidade de fazer algo mais, para preencher o que faltava...

Faltavam palavras que registrassem meu encanto, minha admiração, meu desejo de apoiar esses alunos como eles merecem. Afinal, quem escreve merece sempre muito apoio. Não é fácil lidar com palavras. Elas são rebeldes. Elas dão trabalho. Aqueles que insistem e conseguem se expressar por meio delas merecem nossa atenção. Merecem nossa admiração. Essas pessoas merecem ser vistas. E lidas.

Eu nunca pretendi, com este blog, fazer uma crítica literária acadêmica dos textos que chegam até mim. Acredito que, para isso, haverá outros momentos, caso esses alunos desejem submeter seus escritos a esse tipo de avaliação. Entretanto, a intenção aqui é a de apresentar minha leitura, minha reação, os impactos que eu sofri ao ler essas palavras compartilhadas comigo.

Quero também divulgar esses jovens escritores, fazer indicações, ser parte de uma rede de leitores que cresça cada vez mais!

Eu nunca deixei de pensar assim, mas reconheço que mantive este blog adormecido por tempo demais. A vida corre fora de ritmo às vezes e, quando nos damos conta, nem entendemos como tanto tempo se passou.

Nessa última semana, no entanto, recebi um convidado muito especial no meu Clube da Leitura. O incrível @akapoeta esteve conosco e pudemos prestigiar seu trabalho mais de perto. Dentre tantas palavras capazes de entusiasmar até os mais insensíveis, algumas me tocaram bem fundo e eu pude me recordar de sentimentos meus que, guardados há um tempo quietinhos, voltaram a gritar dentro de mim. E esse barulho precisava ser externado.

Então, como eu já disse...

Estamos de volta.

E estamos de volta com um poema de uma ex-aluna, a Maria Carolina.

Estou há algum tempo devendo isso aqui a ela.

Maria Carolina me pediu que lesse um poema dela ano passado.

Quando ela me enviou seu texto, eu o li e, imediatamente, senti vontade de escrever sobre ele. Tanto foi assim que, em vez de dizer a ela o que tinha achado desse poema na mesma hora, eu pedi permissão para escrever sobre ele e divulgá-lo aqui, como já tinha feito outras vezes com outros alunos.

Teria sido bem mais rápido escrever uma resposta de imediato, é claro. Provavelmente eu devia tê-lo feito. Contudo, eu tenho essa mania – estou tentando mudar – de achar que, quando algo ou alguém merece uma resposta mais bem elaborada da minha parte, eu devo tomar o tempo necessário até conseguir sentar e construir a resposta merecida. Obviamente, com a vida corrida de sempre, eu muitas vezes termino demorando demais para oferecer uma resposta. Às vezes, nem vem à altura devida. E, em algumas ocasiões, acaba nem vindo...

Sim, vamos tentar mudar isso. Mas um passo de cada vez.

Por hoje, vamos fazer justiça ao poema da Maria Carolina. Um poema que, como eu disse, mexeu comigo a ponto de eu sentir vontade de dizer algo sobre ele.

Como eu já escrevi algumas vezes, em postagens antigas, adoro poemas instigantes. Poemas que começo lendo sem saber onde estou, para onde vou. Labirínticos. Poemas que me fazem indagar quem, o quê ou por quê.

O poema da Maria Carolina me trouxe essa sensação. E o melhor é que ela veio junto de uma outra qualidade que muito me agrada. É uma questão bem particular, no caso. É uma coisa minha. Adoro poemas que personificam sentimentos.

Talvez porque eu não goste de toda a abstração que envolva os sentimentos; talvez porque eu precise de uma forma mais concreta para lidar com eles... Sinceramente, não sei. Mas eu gosto muito quando leio textos que atribuem características humanas às nossas emoções...

Aí, creio que por motivos bem razoáveis, o sentimento que mais gosto de ver assim personificado é o amor. Acho que por toda a complexidade que ele encerra... por todos os paradoxos envolvidos...

Por esses motivos, tão logo comecei a ler o poema da Maria Carolina, eu logo me vi abrindo um sorriso largo.

Então, logo em seguida, fiquei um pouco confusa. O eu lírico do poema já nos informa, de supetão, que conheceu o amor. E então o caracteriza dessa forma humanizada, mas sem entregar muito, gerando aquela tão bem-vinda sensação de confusão. “Aonde este poema quer chegar?” – eu logo me perguntei. Adoro quando me sinto capturada assim pelo que leio!

Acredito que o motivo responsável por me fazer gostar dessa sensação de confusão, de estar meio perdida enquanto leio, tenha a ver com a fuga de clichês. Normalmente, quando um texto segue dentro do previsível, costumamos nos sentir confortáveis, uma vez que tudo segue de acordo com o esperado. Mas, se um texto faz você se sentir assim, sem ter onde se apoiar, sem saber ao certo onde está pisando, é porque saiu do lugar-comum.

(Não me entendam mal; eu também adoro um clichê! Há momentos em que nada é mais agradável que ler aquele texto tranquilo, confortável, que nos entrega exatamente o esperado e antecipado! No final das contas, é tudo questão de saber como fazer, independente do seu objetivo. Todo texto é válido, se feito com o devido cuidado para alcançar o que se deseja...)

A Maria Carolina soube entregar um produto excelente. Não sei se ela imaginava que estaria lidando com tantas expectativas, mas o fato é que ela as superou. Ah, aquele último verso me fez soltar um riso gostoso de satisfação. Aquele sorriso de quem recebe mais do que havia pedido...

Sabem, eu não duvidava do talento da Maria Carolina. Há alguns anos, busco abrir espaço para que meus alunos possam apresentar seus diversos talentos artísticos em um Sarau das artes. Sempre há poemas expostos e também declamados. E, em um sarau realizado antes dessa pandemia, Maria Carolina declamou alguns de seus versos.

Que beleza, minha gente! Que talento! Quanta delicadeza, sensibilidade... Quanta poesia!!

Ela merece ser lida. Postar um poema dela aqui é apenas o certo a se fazer.

Portanto, leiam este poema com atenção. Notem o cuidado com as palavras. Nada está ali por mero acaso:

 

“Hoje, conheci o amor.

 

O amor resmungava

Esperava no quarto, sem nada dizer.

Esperava o meu toque e o meu sinal

E enfim, prometia adormecer.

A presença do amor me revirou

Ele não precisou de nada além dos pés balançando no beiral da cama.

Conheci o amor que espera. Recebe. E espera.

O amor, após muito descaso meu, olhava-me sorrindo.

Sempre muito oportuno.

O meu amor não se jogava no chão a impedir minha queda

Ele, depois, vinha com a gaze

E lembrava-me

Que fruto maduro cai.

E não iria me arrancar do pé,

Pois eu precisava virar maçã vermelha

Com um tico verde.”

 

Percebam como o amor, nas palavras de Carolina, parece tão... controverso. Tão diferente da imagem que se apresenta desse sentimento no geral... O amor aqui não é aquele romântico, idealizado. Isso é interessante, porque assim ela pôde construir sua versão desse sentimento, mais inesperado do que imaginado por nós.

Há um tom cotidiano, que foge àquela aura meio mágica muitas vezes utilizada para pintar esse sentimento. Eu gosto disso. Torna o amor mais acessível e, por isso mesmo, mais real.

Adorei quando li que esse amor não se joga no chão para impedir a queda do eu lírico. Esse verso levanta uma ideia tão interessante... Quedas são, muitas vezes, importantes. Precisamos cair para sabermos levantar. O amor não precisa nos proteger disso. Mas é bom saber que ele estará lá, para nos ajudar com os machucados. Afinal, nossa maturidade virá justamente disso... das nossas quedas... cair... levantar.

Lindo, lindo.

E o mais lindo?

Esse último verso. Ah, que coisa mais bonita!

O eu lírico diz que precisa virar maçã vermelha... mas não inteiramente. Deve continuar com um “tico verde”. E esse pedacinho que permanecerá verde pode fazer toda a diferença...! Ah, a beleza das entrelinhas... Adoro!!

 😊

Bom; é isso, pessoas!!!

Fico feliz de ter resgatado este projeto! Ele me é muito querido e me sinto satisfeita de poder postar aqui depois de tanto tempo! Aliás, melhor que isso: tenho já engatado novos textos para divulgar no blog! O próximo, inclusive, é de outro ex-aluno, que me enviou seu conto em 2019... Primeiro, ele me mandou um, sem nome, e depois outro, devidamente acabado. Eu gostei muito de ambos, mas o que ele disse estar bem finalizado foi meu preferido! Acredito que vocês vão gostar tanto quanto eu... Então continuem me acompanhando aqui! Em breve, volto com esse conto que deixará vocês tão boquiabertos quanto eu!

No mais... quero muito agradecer à Maria Carolina por seu poema; por tê-lo compartilhado comigo, por ter sido paciente e por ser uma escritora talentosa!

Minha querida, continue escrevendo sempre, continue inspirando cada vez mais gente! 💓

Para quem quiser, deixo aqui um perfil no Instagram para que vocês possam segui-la e acompanhar mais de perto tudo o que essa garota tem a dizer!


Para mais de Maria Carolina, sigam esta conta: @umatiadospoemas

 

Obrigada, Maria Carolina!!

Obrigada, gente!!

Até a próxima!! 😘