Olha que maravilha! Estou conseguindo seguir o ritmo que pretendo manter nas atualizações deste blog... Uma vez por semana é uma meta plausível de se alcançar! Sigamos assim!
Hoje, o texto que trago para comentar é, conforme já anunciado
na postagem anterior, um conto que me foi enviado em 2019. Estava devendo esta
publicação há muito tempo e peço, desde já, muitas desculpas ao meu ex-aluno
Gabriel Cotrim pela paciência!
O Gabriel me mandou, na época, dois textos. Dois contos. O
primeiro, que ainda não tinha título, era maior que este o qual publico
agora... Mesmo assim, eu acredito que em ambos seja possível perceber um
estilo, algumas características muito específicas do Cotrim como escritor. Particularmente,
um estilo de que eu gosto bastante.
O conto que ele escolheu para ser divulgado aqui tem um
acabamento mais maduro que o anterior. É possível perceber um crescimento de um
para outro. Adoro quando se torna possível notar uma evolução assim nos
escritos de jovens tão talentosos, porque é uma demonstração de que estão
explorando possibilidades, testando caminhos, encontrando seu estilo e
aprimorando-o...
Como eu disse, notei algumas características do Gabriel em
ambos os textos que ele me enviou. Por exemplo, os traços cotidianos que muito
me agradam. Eu gosto de contos que se iniciam assim, despretensiosos, mas trazendo
uma visão única das rotinas mais corriqueiras. Adoro histórias assim, que
tratam de eventos até mesmo banais, mas analisados por uma perspectiva que faz
o leitor até se surpreender com o que normalmente não enxerga...
Quando comecei a ler os textos do Cotrim, nos dois casos,
tive essa impressão inicialmente. Só por isso, já tinha me agradado bastante!
Porém, a leitura seguiu e então... Que reviravolta, que narrativa genial, que
desfecho, minha gente! Eu realmente não esperava por algo do tipo! Contos assim
são bem mais difíceis de se elaborar. Surpreender de uma forma que tudo faça
sentido, casando informações antes apresentadas com o final inesperado... Ora,
não é sempre que nos deparamos com leituras assim.
Foram dois os textos que o Gabriel me enviou.
No primeiro, eu rápido me deparei com uma narrativa aparentemente sem grandes pretensões no início, mas que vai evoluindo para uma situação bem diferente
do que se poderia esperar. No caso desse conto, que é bem maior do que o
segundo, o Gabriel quis desenvolver um pouco mais a fundo alguns pontos do personagem,
então começamos a vislumbrar, lá pela metade da narrativa, que a história não
seguirá o rumo que estamos acostumados a ver. E, de fato, termina de forma bem
diferenciada. Gostei muito desse conto também, mas o que vou postar aqui é mais
impactante. Talvez por ser bem mais curto em relação ao anterior; talvez porque
o Cotrim tenha utilizado com muita inteligência as palavras a seu dispor, de um
modo que soube omitir e expor em dosagens muito bem pensadas. Talvez porque ele
tenha conseguido construir uma narrativa em que, até a penúltima frase, o
leitor tenha uma ideia em mente para, somente na frase final, perceber a
reviravolta que sempre esteve ali, à espreita... Enfim, o porquê aqui é o que
menos importa. Neste blog, a intenção principal é levar a essa viagem
pelas palavras, experimentando as possibilidades que elas nos trazem... E é isso
o que vamos fazer agora. Apreciem o (segundo) conto que o Gabriel me encaminhou:
"A Mosca
Então, Bêntin, hoje eu matei uma mosca. Assim, tava lá
vendo o jogo e lá vem ela, dando aquele zumzumzum todo pela casa... nem sei de
onde veio... Do quinto dos infernos, só pode! Bem, eu até pensei em não
levantar, sabe? Não sabia se valia o esforço, mas ela já tava começando a me
irritar. Tava aqui ó, no pé do ouvido, zunindo naquele agudo chato... Fazendo
barulho mesmo. Perturbou tanto que eu resolvi sair do sofá, pra dar um fim
naquela desgraça! Corri quase a casa inteira atrás da danada, até que ela
tentou fugir pela janela da cozinha. íiiiiiiiih, foi aí que eu peguei ela!
Meti-lhe um tapa, bati e pisei na safada, só de raiva. Dei
um jeito naquele zumbido. E tava ela lá, a desgraçada da mosca, amassada no
chão da cozinha. Fui dar uma olhada mais de perto pra ver se não tava se
mexendo ainda. Era daquelas mais gordinhas, dava até pra ver aquele sanguinho
saindo dela. Ainda tenho que ir lá limpar... Mas naquela hora só fiz pegar uma
latinha que tava gelando e voltei lá pra dentro, pra ver meu jogo.
Bêntin, depois dessa história toda, eu fiquei pensando:
mosca se escreve com ésse-cê ou com cedilha?"
Gente, olha só... Quando comecei a ler, parecia realmente
uma história sobre nosso cotidiano, com um personagem longe de qualquer
idealização, certo? Seja pela forma como ele se refere à “mosca”, ou pela
linguagem dele na maneira de se expressar... A questão é que ele consegue se
tornar um personagem não muito agradável já antes de a gente se dar conta do que
realmente se passou na situação narrada. Por mais que seja possível se
identificar com o incômodo descrito no comecinho – quem nunca se viu perseguido
por um zumbido irritante de mosquito, a ponto de perder a paciência? – o jeito
como o narrador-personagem conta ter resolvido o problema parece um pouco demais.
De todo modo, seguimos com uma narrativa que, para mim, já estava interessante
pela imersão no personagem devido à escrita do Cotrim... Mas então...
Ah, então... Quando faltavam apenas algumas poucas palavras
para o conto se encerrar, o Gabriel me vem com essa frase: “mosca se escreve
com ésse-cê ou com cedilha?”. No momento eu que eu li isso, franzi o cenho.
Devo ter demorado uns dois segundos até cair em mim. Daí a breve expressão de
estranhamento deu lugar ao espanto boquiaberto, junto a uma exclamação: “Caramba!”
Esse conto, obviamente, funciona apenas por escrito. Oralizado,
ele perderia seu impacto. Afinal, a dúvida do narrador gira em torno da escrita
correta da palavra “moça”, perguntando a seu interlocutor se o correto seria
escrever com “ç” ou “sc” (um dígrafo, a exemplo do que ocorre
em “piscina”).
Compreendendo enfim que a dúvida do narrador nos leva a
entender que “mosca”, na verdade, seria “moça”, a leitura do conto ganha um novo
tom, saindo do aspecto cotidiano e familiar para um gênero de violência mais
forte e perturbador. É praticamente impossível não voltar ao início e reler o
conto, apenas para enxergar toda a situação agora sob esse novo viés, a fim de
sentir que voltamos a ter controle sobre o que lemos.
Que experiência, Cotrim!
Muito obrigada por esse conto!
Quem quiser conhecer mais do Gabriel Cotrim, pode
acompanhá-lo por esta conta no Instagram: @ocotrim_
Vale a pena! 😉
E vamos continuar com as publicações! Fico imensamente feliz
em anunciar que alunos vêm me procurando para mostrar seus escritos! Já tenho aqui
engatilhados três textos para divulgar nas próximas postagens! Muita coisa boa vem
por aí, gente! Então continuem acompanhando!! 😊
Beijo grande, pessoas! 😘
Até a próxima!! 🙋