terça-feira, 24 de julho de 2012

Paradoxos literários

A autora do poema a seguir é a Lara Nogueira, uma aluna do curso pré-vestibular que me pediu, por algumas vezes, que desse uma olhada nos poemas que ela escreve.

Embora já tivesse tido tempo para acessar seu blog e constatar seu talento, apenas agora pude enfim prestigiá-los como eles merecem.

Conforme poderá ser visto abaixo, a Lara tem uma alma sensível e talento com as palavras. Em um poema, essas são qualidades que me atraem bastante. Poemas são muito subjetivos e o que faz uma pessoa apreciar um determinado texto não necessariamente é válido para outrem. No caso dos poemas da Lara, eu fiquei fascinada ao descobrir que ela produz exatamente o meu tipo preferido de poesia.

Tenho clara preferência por poemas que instigam, que deixam subentendido e que conseguem, nessa omissão poética, dizer mais que qualquer outra palavra seria capaz. Lacunas mais expressivas que palavras; eis um paradoxo que eu adoro.

Por sinal, paradoxos são interessantíssimos e também sempre me chamam muito a atenção. Adoro textos que aproximam opostos, transformando o impossível em crível. Transformar opostos em complementos, às vezes quase fazendo com que sejam sinônimos, é habilidade que se alcança com alguma prática porque, apesar de parecer fácil, essa é uma tarefa extremamente complexa. Um dos clássicos exemplos é quando demonstram que amor e ódio são muito mais próximos do que aparentam. Afinal, esses dois sentimentos tão intensos comprovam que, quando sentidos, o alvo deles é sempre alguém de muita importância na vida da pessoa que ama ou odeia...

A Lara, entretanto, resolveu seguir um caminho menos usual. Em vez de opor amor e ódio, ela opôs amor e medo. Esses dois sentimentos não são necessariamente opostos, mas, em muitas situações, tornam-se impeditivos um do outro, impedindo a existência do outro.

O título do poema que eu escolhi para divulgar aqui é "Amor e Medo". Na mesma hora, eu me lembrei do poema de mesmo título escrito por Casimiro de Abreu - e que é um dos meus preferidos. No poema do Casimiro, as palavras giram em torno dos impedimentos que esses sentimentos geram um ao outro e é belíssimo, de modo que, ao ler o título do poema da Lara, imaginei que fosse me deparar com algo semelhante.

Porém, qual não foi a minha surpresa quando percebi que minha aluna foi além? Em seus versos, ela usa poucas palavras, fazendo um inteligente jogo de palavras. Essas são outras características que muito me atraem e que a Lara utilizou de forma impecável.

A Lara começa já de uma forma que considerei impactante. Ao escrever que as pessoas são definidas por medo ou amor, ela traçou a linha mestra do seu texto, demonstrando que todos vivem, de uma forma ou de outra, norteados por esses sentimentos. Às vezes, inclusive, pela mistura dos dois.

O jogo de palavras, como já disse, ficou brilhante e destaco especialmente os versos: "Pelo medo de estar sozinho./Por estar sozinho por medo."

Contudo, o fechamento do poema é que nos traz uma sensação estranha, daquelas que nos deixa um tanto perdido, sem chão sob os pés. Eu gosto de poemas que se fecham sem fechar, que, na verdade, ao terminarem abrem portas, levam a reflexões diversas de uma forma quase impositora. Textos que, fugindo da obviedade, exigem uma leitura que continue, que vá além do fim, que permaneça mesmo depois de a leitura concreta findar-se.

Ao definir-se pela indiferença, terceiro sentimento trazido ao texto, a autora se coloca à parte da sociedade que ela apresenta nas primeiras linhas. E se mostra dona de um dos sentimentos mais perigosos, ao meu ver. Pior que o ódio, é a indiferença. Afinal, quando existe um sentimento inflamado como o ódio, ainda existe vida. Não que o ódio seja bom; claro que não. Todavia, se ainda há vida, é possível transformar.

No entanto, quando há a indiferença, indiferença ao amor, indiferença ao medo, então há o nada. É um poema de seca melancolia. Vazia dos sentimentos mais fortes e impetuosos, representados pelo amor, e também de sentimentos fracos e covardes, representados pelo medo, o eu lírico do texto se posiciona em um não-lugar.

O que a levou a esse anulamento? Teria ela alcançado um equilíbrio dos dois opostos que, em igual medida, terminaram por se excluir? O que a levou à indiferença? Amor demais? Medo demais? A mistura de ambos?
Ou terá o eu lírico jamais experimentado de fato esses sentimentos?

Amor e medo equiparam-se; pois mesmo estando em lado diferentes, são igualmente intensos. Sendo assim, onde se encontra o eu lírico? Acima ou abaixo desses sentimentos? É melhor ou pior ter chegado a esse ponto?

Questionamentos que não necessitam de resposta. Eu gosto de poemas que não precisam de respostas. Muitas vezes, melhor que ter todas as respostas, é ter as oportunidades de pensar e refletir, pelo ato em si. A chegada ou não a uma conclusão é apenas consequência, que se torna mínima diante de todos os outros frutos nascidos desse delicioso passatempo.

Abaixo, deixo o poema na íntegra. Desfrutem:

"Amor e Medo


Vocês são definidos pelo medo ou pelo amor.
Pelo medo de amar.
Pelo amor de dar medo.
Pelo vicio no amor.
Pelo vicio no medo.
Pelo medo de quebrar a rotina.
Pela rotina de estar com medo.
Pelo medo de estar sozinho.
Por estar sozinho por medo.

Eu me defino pela indiferença.
Indiferença ao amor.
 Indiferença ao medo."


Para quem quiser conhecer a autora, podem encontrá-la no Facebook: procurem por Lara Nogueira. E, para ler os outros poemas dela, visitem o seu blog:


Obrigada pela inspiração, Lara!!! 

E vamos seguindo! Em breve, vou divulgar uma novelinha produzida por uma aluna no primeiro ano e, depois, o poema de um aluno que era inseguro com suas palavras, mas me demonstrou que tinha um talento absurdo com elas!

Continuem acompanhando! ;)