terça-feira, 2 de novembro de 2021

Simplicidade e Sensibilidade

 Olá, pessoas! Como vocês estão? 😊

 

As últimas semanas foram um tanto atribuladas, mas eu não me esqueci deste blog, não... 😅

E, seguindo exatamente de onde paramos, vou trazer hoje um poema maravilhoso, escrito por uma aluna muito querida e especial: a Malu Cronemberger.

 

A queridíssima Malu está atualmente na 2ª série do Ensino Médio, mas ela me chamava a atenção desde o ano passado, com seu jeito único de ser. Ela é aquele tipo de aluno que se torna uma espécie de porto seguro para o professor dentro de uma sala de aula. Ou, no caso, nas aulas on-line, já que em 2020 estivemos nos vendo apenas por meio do ensino remoto.

 

Pois bem... O que faz a Malu ser tão especial? É a forma como ela demonstra prestar atenção à aula, com um olhar que parece dizer ao professor que ela não só está presente, como também correspondendo a todas as expectativas que temos quando estamos dando aula... Esse jeitinho de ser da Malu faz toda a diferença! Afinal, o professor precisa desse retorno. Um professor, para dar o seu melhor, necessita dessa resposta, sentir que suas palavras estão sendo ouvidas... E, a partir daí, vamos descobrindo no que precisamos melhorar, como podemos oferecer mais a nossos alunos... Resumindo: é preciso haver interação com o aluno, para que possamos alcançar os melhores resultados. 

 

Por isso, costumo dizer que existem alguns alunos que se tornam nosso porto seguro. Nossas âncoras. Aqueles alunos que, quando os buscamos com os olhos durante uma aula, nós os encontramos sempre ali, com aquele olhar que diz muito, que nos traz a sensação boa de que estamos no caminho certo. É o olhar que nos faz acreditar que estamos sendo realmente vistos e ouvidos. É o olhar que faz tudo valer a pena. É o olhar que, mesmo nos nossos piores dias, tem o poder de nos fazer voltar a acreditar. Como pode ser possível que um olhar tenha esse fantástico poder nos reerguer, quando nem mesmo a gente acredite ser capaz disso? Difícil explicar, mas é fato que isso acontece. Não são apenas os alunos que precisam de professores com quem possam se conectar; os professores também necessitam de alunos assim. 

 

Sou muito feliz por dizer que tenho alunos assim, devido a isso tão especiais para mim. 💓

 

E a Malu é uma dentre esses alunos.

 

Por tudo isso, eu tenho um carinho gigantesco por essa aluna, tão querida e especial, e que tanto já me ajudou nessa vida de professora, talvez sem nem mesmo saber disso. Afinal, os dois últimos anos foram verdadeiras provações a todos os envolvidos com a educação... E, com muita leveza no coração, gostaria de dizer à Malu que ela foi essencial para que eu não desistisse e me reencontrasse numa profissão que amo, na qual já estou há quase duas décadas, mas que em alguns momentos me fez questionar muito sobre tanta coisa... Nenhuma surpresa até aqui; acredito que o ser professora traz em seu bojo a intensidade que vale para o lado bom e o ruim. Os momentos maravilhosos nessa profissão são simplesmente incríveis, inesquecíveis, mágicos... mas os ruins são capazes de nos fazer indagar sobre quem somos, sobre nossa real capacidade... Enfim... isso faz parte da vida. E, felizmente, há pessoas como a Malu, que, com toda a sua doçura, delicadeza, gentileza, consegue nos mostrar a luz no fim do túnel.

 

Talvez a Malu não tenha real noção do quanto ela é responsável por fazer seus professores sorrirem depois de um dia pesado de trabalho. Então, acho que aqui seja um ótimo lugar para que ela saiba o poder que os seus olhos doces e seu sorriso luminoso têm.

 

Toda essa introdução foi, é claro, um agradecimento que a Malu merece demais, mas não é só isso. Eu queria que os leitores deste blog conhecessem um pouco de quem é a Malu, apenas para compreenderem mais a fundo a delicadeza de suas palavras. No poema que trago hoje, eu pude constatar o que, de certa forma, já sabia. Malu tem uma alma delicada, suave, leve e gentil, o que se pode sentir em suas palavras. Sensibilidade é a marca dessa mocinha, tão jovem e já tão perceptiva diante desse mundo enorme.

 

A Malu me enviou dois poemas, para que eu escolhesse um e publicasse aqui no blog. Adorei os dois, tanto que provavelmente postarei o outro aqui em breve... Mas escolhi este particularmente porque o impacto em mim foi forte. Talvez por ter sido o primeiro poema que eu li da Malu... talvez por não esperar que um texto, de visão tão madura sobre a vida (sim, sobre a vida. O poema vai muito além de um simples relacionamento), pudesse ser escrito por alguém tão jovem. Enfim, os motivos não importam. O que interessa, no final das contas, é o que esse poema maravilhoso nos deixa.

 

Vou colocar o texto da Malu aqui, para que seja devidamente apreciado, mas faço uma ressalva antes. Leiam além das palavras. Não sejam rasos diante de um poema com tanta profundidade. Permitam-se tocar pelo que a Malu nos quer dizer. Uma das maiores belezas desse poema é justamente essa aparente simplicidade de que ele vem investido. E sabem, isso faz parte para que você possa realmente alcançar os sentimentos que são trazidos. Porque eles nos são trazidos; cabe a você cumprir sua parte na leitura, para que eles sejam realmente sentidos.

 

Sobre os relacionamentos modernos...

Ainda que quisesse ser vista como culta,

Ele a pegava assistindo desenhos animados.

Ainda que quisesse ser visto como forte

Muitas vezes ela o ajudou a carregar os móveis da casa.

Ainda que quisessem ser um casal dos livros.

Muita das vezes cada um dormia virado para um lado diferente.

E se quisessem um jantar à luz de velas,

Eles acabavam fazendo um piquenique segunda pela tarde.

Quando ele se sentia mal, ela queria vê-lo sorrir, mas acabava chorando consigo

E quando ele voltava para casa, acabava esquecendo as flores que iria comprar.

Ainda assim, no final do dia

Eles jantavam juntos na pequena mesa

Que era reciclada da mãe dele

E, se não trocavam poesias ou gestos românticos

Ainda perguntavam como foi o dia de cada um

Rindo da própria desgraça

Comemorando em silêncio algo pequeno.

Mesmo que brigassem por medo

Por frio

Por fome

Eles ainda terminavam juntos na mesma mesa.

E ainda que não lhe trouxesse rosas,

Ele a fazia sentir-se como o jardim inteiro.

E ainda que não fossem perfeitos,

Eram um para o outro,

Ou nem isso, mas cada

“Tudo bem?”

“Como foi seu dia”

Era um “eu te amo” sussurrado

Um abraço cauteloso

E um sorriso sincero.

Ele queria ser um mito,

Um deus, um semideus...

Uma verdade por séculos

Que era motivo de oferendas e rituais.

Mas ele era uma lenda,

Uma história

Um personagem para assustar crianças

Quando descobrissem sua farsa seria motivo de piadas

E rapidamente esquecido...

Ela queria ser a comédia

Causar sorrisos

Despertar felicidade,

Mas ela era o drama

Que trazia tristeza

E seria lembrada pelo resto dos tempos

Como alguém que trazia o resto do mundo às lágrimas.

Mas ainda assim, ele viu beleza no drama dela

E ela viu cultura na lenda dele

E, se sua história não poderia ser um conto maravilhoso

Pelo o menos foi uma crônica

No jornal de sábado.

 

É inevitável; não tem como... Ao terminar essa leitura, é simplesmente natural abrir um bonito sorriso. É a mesma reação natural que temos quando nos deparamos com o olhar tão meigo e doce da Malu. Investido de uma aparente simplicidade, esses olhos guardam muito mais e quem se permite conhecê-los mais a fundo encontra beleza, leveza, um quê de melancolia e, com tudo junto e misturado, nos deparamos com a mesma sensação que esse poema traz...

 

Sim, esse poema e os olhos da Malu despertam sentimentos bem semelhantes.

Em especial, a sensação de que vale a pena.

 

Poemas assim, pessoas assim... sempre nos fazem sentir que vale a pena!

 

Beijo grande, Malu querida!!! 😘

Muito obrigada por um texto tão maravilhoso e inspirador!!!💟

 

Para quem quiser conhecer mais da Malu e do tanto que ela tem a oferecer, esta é a sua conta, para que possam segui-la no Instagram:

 

@maresias_malu

 

Ou então, sigam esta conta que ela criou para compartilhar seu maravilhoso dom artístico conosco:

 

@escreva_me_uma_resenha

 

 

E, na próxima postagem deste blog, trarei um conto escrito por uma aluna da 3ª série do Ensino Médio... intenso e envolvente e que, tenho certeza, vocês vão adorar ler!

Até a próxima, gente!!!

Beijo grande! 💕

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Segredos e tesouros

Oi, gente boa! Estamos de volta! Acharam que eu tinha me esquecido de atualizar este blog? De forma alguma! Mas é que, com o feriado, precisei resolver e organizar algumas questões na vida pessoal e na profissional... Daí, a atualização veio atrasada... mas veio!

E veio com força total! Hoje eu trago a vocês um conto simplesmente fenomenal! O impacto que ele me causou foi forte e eu quero muito compartilhar essas impressões com quem acompanha o blog!

Como eu já havia adiantado a vocês, o conto que transcrevo abaixo me foi entregue por uma aluna no final da aula. Veio dobradinho em folha de caderno, como um segredo a ser passado de modo discreto.

Eu acredito que segredos precisam ser compartilhados assim, com todo um ar de importância, como se de um pequeno grande tesouro se tratasse. Afinal, segredos são como delicados presentes que não entregamos a qualquer um. Escolhemos bem o destinatário; aquele que saberá valorizar o que temos a dizer, compreendendo o peso dessas palavras...

A literatura me faz, muitas vezes, sentir que sou portadora de muitos segredos que chegaram até mim das mais diversas formas. Toda história, romance, crônica, conto, poema é uma espécie de segredo. É, de alguma forma, um pedaço daquele artista que ele escolheu compartilhar com seu leitor... e, assim como ocorre com uma pessoa que acaba de ouvir um segredo, eu me sinto mais próxima do escritor que optou por se expressar desta ou daquela maneira.

Com este blog, algo semelhante vem ocorrendo... A cada texto que posto aqui, eu sinto que descubro um pouco mais desses alunos e ex-alunos, como se uma nova faceta se revelasse e eu ficasse subitamente sem reação diante de tanto talento! Sim, desde que me propus a divulgar esses textos, eu imaginava que me depararia com obras incríveis, mas minhas expectativas estão sendo muito superadas!

A aluna Bia Eira me trouxe esse conto assim, de forma tão natural e despretensiosa, como se apenas quisesse me mostrar um texto por ela escrito. Porém, não foi apenas isso o que aconteceu. O que ela me mostrou foi um mundo inteiro construído em poucas linhas. Uma narrativa tão envolvente, que tão rapidamente capta nossa atenção e nos torna testemunhas de sentimentos, relações, afetos que até segundos atrás desconhecíamos inteiramente. E, de repente, aqueles personagens se tornam importantes para nós. De repente, eles fazem parte da nossa vivência. De repente, somos capazes de nos sentir parte daquela história, como testemunhas ocultas de algo muito importante... Mas, como ocorre quando um segredo tão especial nos é aos poucos revelado, não ousamos falar, nem nos manifestar; somente acompanhamos, quase nos esquecendo de respirar, aonde a hábil narrativa nos levar...

Tentei aqui mostrar um pouco das sensações que esse conto da Bia me trouxe. Contudo, o melhor que faço aqui é deixar que essas tão bem traçadas linhas falem por si só.

Mergulhem:


“Alle Welt estava exausta. Tudo que ela queria era se jogar em sua cama e dormir até o dia seguinte. Mas ainda tinha aquela maldita festa.

Era aniversário de seu irmão mais novo, e ele daria uma festa para comemorar. Alle sabia que a queria lá, mas ela estava tão cansada. Não faria mal se ela não fosse, não é? Ela poderia ir no ano seguinte de qualquer forma.

A garota tinha gostado da ideia, mas seus planos mudaram assim que ela entrou no quarto e encontrou alguém lá.

— Alle Welt.— o homem disse com a voz rouca, mas potente.

— Quem é você?— Alle perguntou assustada.

O homem a sua frente parecia jovem, com cabelos negros que contrastavam com a pele pálida, seus olhos eram escuros como buracos negros, e ele vestia uma túnica estilo Grécia Antiga, também negra.

— Quem sou eu?— ele repetiu, parecendo ponderar sobre a pergunta.— Eu sou o começo, o fim e o meio. Seu maior desejo e seu inimigo. Um corredor que nunca para. Eterno e finito. Quem eu sou?

Alle arqueou a sobrancelha em confusão. Aquilo era algum tipo de charada? Como ele tinha entrado ali? Eram tantas perguntas.

— Muito poético.— a garota disse.— O que faz aqui?

— Estou aqui porque você não deveria estar.— o homem estranho respondeu.

Alle deu um passo para trás assustada. Como ele poderia saber sobre a festa?

— Sei de muitas coisas, Alle Welt.— o homem disse como se lesse a mente da garota.

— O que você quer?— Alle perguntou, agradecendo por sua voz não ter falhado.

— Você acha que pode deixar tudo para depois.— ele disse se aproximando.— Vim te mostrar que está errada.

Alle queria perguntar o que aquilo queria dizer, mas não teve tempo. O homem ergueu um de seus dedos e tocou o ponto entre os olhos da garota.

O quarto começou a girar, cada vez mais rápido até se transformar em nada além de um borrão. Alle sentiu o chão desaparecer sob seus pés, mas não começou a cair. Tudo que ela podia ver e sentir era o homem estranho que ainda tocava o ponto entre seus olhos.

Quando seus pés voltaram a tocar o chão, Alle não estava mais em seu quarto. Estava em um cemitério.

Ela olhou ao redor, tentando entender o que tinha acontecido, e a lápide a sua frente chamou sua atenção.

A data de morte era alguns meses depois do dia da festa, e o nome era o do irmão de Alle.

A garota sentiu um bolo em sua garganta, lágrimas em seus olhos. Naquele momento ela nem se importou em como tinha chegado ali ou em quão impossíveis aquilo era. Alguma coisa lhe dizia que aquilo era real.

— O que aconteceu?— ela perguntou com a voz embargada.

— Não foi de doença.— o homem respondeu.— Nem acidente.

Aquilo foi como uma faca invisível enfiada no coração de Alle.

Ela se virou para o homem, sua visão turvada pelas lágrimas.

— P- por q- que?

O homem não respondeu, apenas tocou novamente o ponto entre os olhos da garota, e tudo girou mais uma vez.

Quando parou, Alle se viu no quintal da casa de seus pais, onde acontecia a festa de seu irmão. Ninguém parecia reparar nela ou no homem estranho, apenas continuavam conversando normalmente.

Alle viu seu irmão junto de seus pais. Os cabelos dele estavam mais longos que ela se lembrava, chegando a cobrir os olhos. Ele usava um moletom preto, apesar do clima quente, de forma a cobrir seus braços.

— Ela não vem.— ele disse aos pais.— Nem sei porque eu esperava algo diferente.

Então ele se levantou e entrou dentro da casa.

— Eu não entendo…— Alle disse com a voz fraca.

— Quando foi a última vez que você falou de verdade com ele?— o homem estranho perguntou.— Quando foi a última vez que você mostrou que se importava? Que perguntou como ele estava? Se precisava conversar ou qualquer outra coisa?

— Me leva de volta.— Alle pediu chorando.

O homem assentiu, e a garota se viu novamente em seu quarto.

— Eu não vou parar de correr, Alle Welt.— ele alertou.— Pense nisso.

Então ele desapareceu, e Alle começou a correr. Ela não tinha tempo a perder.

Porque ele corria também.”

 

Que conto fantástico... Literalmente...

E, ao mesmo tempo... Tão real. Tão visceralmente verdadeiro, concreto, de uma realidade tão palpável que dói.

O que me fascinou nesse conto é que, habilmente, a Bia consegue dizer muito mais por meio do que ela não diz. O que está nas entrelinhas é o que mais importa. Com direcionamentos bem elaborados, ela nos leva exatamente aonde quer chegar. E, quando chegamos, sentimos o impacto.

Brutal? Necessário?

O fato é que, assim como ocorre com os segredos que são compartilhados conosco, é de grande importância sabermos agir com responsabilidade acerca daquilo que nos é revelado.

Um papel tão importante da literatura, como eu já falei na postagem anterior, é o de levantar reflexões, tecer críticas... incomodar. Nem sempre a leitura vem para o puro entretenimento. Às vezes, precisamos ler porque necessitamos nos deparar com realidades das quais fugimos. Os livros são muito úteis nesse sentido. Em meio a uma leitura instigante, somos às vezes submetidos a um confronto inesperado e preciso. Vários escritores souberam compartilhar suas visões críticas, reflexões preocupadas, pensamentos filosóficos sobre os mais inúmero assuntos... E a Bia segue aqui o mesmo caminho já trilhado por gigantes da nossa literatura... e cumpre magistralmente sua tarefa.

Cabe a seus leitores realizarem sua parte. Refletir, absorvendo devidamente cada palavra. Lendo com o cuidado e a delicadeza que esse conto nos pede. Percebendo que a Bia colocou cada palavrinha em um lugar muito específico, não sem antes ponderar bem. Por exemplo, no trecho: “Eu sou o começo, o fim e o meio. Seu maior desejo e seu inimigo. Um corredor que nunca para. Eterno e finito. Quem eu sou?”, a Bia nos deixou material para ser lido e relido algumas vezes antes de chegarmos à conclusão de que entendemos bem o que ela queria dizer. Não tenham pressa, saboreiem cada frase, cada construção tão devidamente encaixada. Perguntem-se: Por que ela escreveu “Eu sou o começo, o fim e o meio”, em vez do clássico ‘começo, meio e fim’?

Gente, nada é por acaso...

E eu não vou antecipar respostas, até porque muito do prazer da leitura se descobre sozinho. Posso, nesse caso, apontar algumas direções de possíveis leituras... Mas o caminho vocês devem percorrer por conta própria.

Acreditem. Vale muito a pena.

E não deixem para descobrir esse prazer algum dia, futuramente. O momento é agora. Afinal, como a Bia deixou bem claro ao fim do conto, não temos tempo a perder. Porque o tempo...

Ele corre.

 

Muito obrigada por uma leitura tão incrível, com reflexões tão importantes e com um jogo de palavras tão instigante, Bia!!! 💖

Quem quiser conhecer mais dessa fantástica escritora, sigam sua conta no Instagram:

@contosaleatorios12

 

Por hoje é só, pessoas!! 💁

Próxima postagem trarei a vocês os escritos de uma aluna queridíssima, presença constante no meu Clube da Leitura... Não percam!! 😄👏

E não se esqueçam, queridos alunos e ex-alunos! Têm textos para me mostrar? Compartilhem comigo! Mandem mensagem em privado e vamos conversar! Vou adorar divulgar o que escrevem! É só me procurar lá no Instagram: @camilla.yoshico

Fico por aqui!! 💟

Beijo grande, gente! 😘

Até a próxima! 👍

 

domingo, 3 de outubro de 2021

Uma autora e suas essências

 Tudo começou quando, algumas semanas atrás, em uma tarde como outra qualquer, Marília veio até o meu plantão e disse que gostaria de me mostrar uma redação que estava escrevendo. As questões que ela trazia sobre o texto eram relacionadas a aspectos mais literários e eu logo me demonstrei interessada no que ela tinha para apresentar.

A redação ainda não estava concluída, justamente porque a Marília tinha dúvidas sobre os caminhos a seguir. Comecei a ler e rapidamente me senti capturada pela narrativa que trazia mistérios não propriamente na história, mas no uso inteligente e cheio de possibilidades que ela esmiuçava. Por trás da narrativa aparente havia outra, latente. E isso me motivou a querer concluir a leitura logo, para saber aonde todas aquelas palavras poderiam me levar...

Porém, o texto não estava finalizado. Marília me explicou que as possibilidades que eu enxerguei não eram aleatórias; ela realmente estava plantando esses diversos caminhos que, por mais que abrissem novos rumos, terminavam por, de certa forma, desembocar em uma mesma ideia. Tudo muito bem construído, bem amarrado. Achei interessante, disse a ela que gostaria de ver o texto concluído e elogiei sua escrita.

Entretanto, eu ainda não li o final dessa história (mas gostaria muito de ver algum dia, viu, Marília?😆). O que ocorreu, por outro lado, foi ainda mais empolgante. A Marília começou a me mostrar um lado seu que, verdade seja dita, não me surpreendeu, porque era simplesmente natural seu potencial como escritora. Mas me deixou muito feliz que ela passasse a compartilhar seus versos e poemas comigo, permitindo que eu tomasse conhecimento real das dimensões que essa garota, tão jovem, já é capaz de alcançar em meio às letras.

Aliás, é importante ressaltar como seus versos demonstram sua familiaridade com as palavras. Marília se sente muito à vontade com elas. E isso se reflete em sua forma de escrever, em seu estilo, que já se delineia bem no que tem a dizer.

Por sinal, um detalhe interessante. Quem lê os poemas da Marília pode perceber que existem ali outros autores. Marília, às vezes, dá espaço a outros escritores que, segundo ela, habitam sua essência escritora. Algo como... os heterônimos de Fernando Pessoa? Quem sabe?

Aqui, transcrevo os versos de um poema que a própria Marília selecionou para que eu publicasse neste blog. Ela me disse que, neste caso, a autora é ela mesma, em sua própria essência criativa:

 

“Com licença, meu senhor!
Será que posso roubar
um pouco desse esplendor
com notícias de um Brasil
sem amor?

Por favor, meu senhor!
Será que posso pegar emprestado
de um velho soldado,
não o fuzil,
mas os tempos de sonhos
de um esquecido Brasil?

Dá licença, meu senhor!
Será que posso pegar emprestado
o medo escancarado
de um povo assustado,
com medo de ser calado?

Quero pegar emprestado
as fobias e mágoas
e transformá-las em
calçados surrados
amarrados em postes
quase tombados.

Quero transformar os sapatos
em alguns relatos
de anonimatos
sobre maus-tratos.

Quero transformar o abuso
em algo não tão difuso,
em algo muito excluso
e não algo que herdamos dos lusos.

Quero transformar
os choros de fome
daqueles que já a tem
como sobrenome
em choros de notas,
não em choros de covas.


- M. N. N.

 

Uma das funções da Literatura é a de denunciar, fazer críticas sociais, possibilitar reflexões. Devido a essa função, acredito ser válido que o óbvio seja tornado óbvio para que não restem dúvidas quanto ao se que se deve dizer; porém, nada impede alguns jogos de palavras, significados a mais, algumas ideias nas entrelinhas... isso também enriquece o texto, desafia seu leitor.

Aqui, a Marília (em um estilo diferente de um outro escritor que habita nela e que aparece com frequência na sua página de poesia do Instagram) é bem direta dentro de suas intenções, apontando para a situação crítica de um país necessitado de atenção.

Nesse poema, seus versos conseguem trazer ritmo poético a falas que permeiam noticiários, representando angústias, clamores...

Contudo, quando se lê:

“Quero pegar emprestado
as fobias e mágoas
e transformá-las em
calçados surrados
amarrados em postes
quase tombados.

Marília volta a provocar seus leitores, desafiando-os.

Como assim, transformar fobias e mágoas em “calçados surrados amarrados em postes"?

Nesse momento, uma imagem logo me vem à mente.

É comum ver, em grandes cidades, pares de tênis jogados sobre os fios de alta tensão, amarrados e largados ali.

Definitivamente, esses versos podem nem estar fazendo alusão a isso. Mesmo assim, por terem se tornado imediatamente a imagem em que essas palavras se materializaram para mim, ficou difícil me desvencilhar dela.

E não acho que isso faça muita diferença. Até consigo perceber outras nuances, possíveis novas leituras a partir de alguns outros significados também plausíveis. No entanto, vou aqui me ater apenas a essa primeira leitura que fiz, porque foi muito poderosa para mim e causou-me esse impacto que, neste blog, é o que mais gosto de compartilhar. Mas, creio que valha destacar que, mesmo dentro dessas outras leituras que também consegui fazer, o sentido geral do texto não se modifica. Eis a beleza da literatura.

Para mim, o que me gerou essa sensação de espanto mesclada com admiração foi ler essa alusão aos calçados amarrados e jogados sobre esses fios e postes e saber que esses calçados, nesse estado, têm muito mais significado do que muita gente pensa. Por ser um hábito muito comum em vários países, há estudos sobre o símbolo por trás desse gesto (de atirar calçados sobre os postes) e, dentre tantos, há os de servirem para demarcar territórios e servirem como ameaça... assim como também podem representar o bullying.

É como se, após retratar a situação crítica em que tantos se encontram, o eu lírico do texto deseje traçar uma linha, um limite, como um basta, como se demarcasse até onde é possível suportar tudo isso.

Então, na estrofe seguinte, lê-se:


“Quero transformar os sapatos

em alguns relatos
de anonimatos
sobre maus-tratos.

Aqui, cabe tão bem o sentido de perseguição e covardia, também relacionado aos tênis jogados sobre os postes, que eu dificilmente consegui dar atenção a outra leituras aí também inseridas.

Mas é claro que a interpretação mais abrangente é bem-vinda, como nos versos:


“Quero transformar o abuso

em algo não tão difuso,
em algo muito excluso
e não algo que herdamos dos lusos.

Estamos falando de abusos, maus-tratos, injustiças que vão muito além do apenas óbvio. Abrangendo possibilidades, o eu lírico apresenta sua meta: que o abuso não seja tão vago, pois embora ele possa englobar essas possibilidades aqui no texto, na vida real ele deve ser encarado com objetividade, para que enfim seja excluído e deixado de fora das marcas antes delimitadas.

Por fim, em um trocadilho simples e, por isso mesmo, eficaz e impactante, o eu lírico afirma:

“Quero transformar
os choros de fome
daqueles que já a têm
como sobrenome
em choros de notas,
não em choros de covas.


O choro que se deseja ouvir deve ser apenas aquele carregado por notas musicais (o chorinho), e não o que é marcado por dor, pranto e lágrimas. Não o choro que marca a fome, que se torna mais característico do que o próprio sobrenome dessas pessoas famintas. Não o choro que se derrama apenas para marcar o fim. É preciso transformar, mudar. É fazer da poesia, ponte. E Marília está traçando aqui belíssima travessia!

 

Obrigada pelas palavras, pela reflexão e pela inspiração, Marília!!💓

 

Conheçam mais da poesia dessa incrível escritora! Ela tem uma página no Instagram direcionada a publicação de seus versos! Acompanhem; vale muito a pena!!! 😍

@marilia_2005

 

E eu sigo por aqui, firme e forte! Na próxima postagem, vou falar a respeito de um conto excepcional, que uma aluna me entregou em sala de aula, escrito em folha de caderno, dobradinho, quase como um segredo. Somente pude lê-lo depois... E que maravilhosa surpresa! Não percam... Vocês vão se maravilhar também!!

Fico por aqui, gente! Mas deixo o lembrete a alunos e ex-alunos: tem algum texto literário que queira me mostrar? É só entrar em contato! Manda uma mensagem privada pelo meu Instagram: @camilla.yoshico

Aguardo vocês!! 😘

 

domingo, 26 de setembro de 2021

Cotidiano ou perturbador?

 Olha que maravilha! Estou conseguindo seguir o ritmo que pretendo manter nas atualizações deste blog... Uma vez por semana é uma meta plausível de se alcançar! Sigamos assim!

Hoje, o texto que trago para comentar é, conforme já anunciado na postagem anterior, um conto que me foi enviado em 2019. Estava devendo esta publicação há muito tempo e peço, desde já, muitas desculpas ao meu ex-aluno Gabriel Cotrim pela paciência!

O Gabriel me mandou, na época, dois textos. Dois contos. O primeiro, que ainda não tinha título, era maior que este o qual publico agora... Mesmo assim, eu acredito que em ambos seja possível perceber um estilo, algumas características muito específicas do Cotrim como escritor. Particularmente, um estilo de que eu gosto bastante.

O conto que ele escolheu para ser divulgado aqui tem um acabamento mais maduro que o anterior. É possível perceber um crescimento de um para outro. Adoro quando se torna possível notar uma evolução assim nos escritos de jovens tão talentosos, porque é uma demonstração de que estão explorando possibilidades, testando caminhos, encontrando seu estilo e aprimorando-o...

Como eu disse, notei algumas características do Gabriel em ambos os textos que ele me enviou. Por exemplo, os traços cotidianos que muito me agradam. Eu gosto de contos que se iniciam assim, despretensiosos, mas trazendo uma visão única das rotinas mais corriqueiras. Adoro histórias assim, que tratam de eventos até mesmo banais, mas analisados por uma perspectiva que faz o leitor até se surpreender com o que normalmente não enxerga...

Quando comecei a ler os textos do Cotrim, nos dois casos, tive essa impressão inicialmente. Só por isso, já tinha me agradado bastante! Porém, a leitura seguiu e então... Que reviravolta, que narrativa genial, que desfecho, minha gente! Eu realmente não esperava por algo do tipo! Contos assim são bem mais difíceis de se elaborar. Surpreender de uma forma que tudo faça sentido, casando informações antes apresentadas com o final inesperado... Ora, não é sempre que nos deparamos com leituras assim.

Foram dois os textos que o Gabriel me enviou. No primeiro, eu rápido me deparei com uma narrativa aparentemente sem grandes pretensões no início, mas que vai evoluindo para uma situação bem diferente do que se poderia esperar. No caso desse conto, que é bem maior do que o segundo, o Gabriel quis desenvolver um pouco mais a fundo alguns pontos do personagem, então começamos a vislumbrar, lá pela metade da narrativa, que a história não seguirá o rumo que estamos acostumados a ver. E, de fato, termina de forma bem diferenciada. Gostei muito desse conto também, mas o que vou postar aqui é mais impactante. Talvez por ser bem mais curto em relação ao anterior; talvez porque o Cotrim tenha utilizado com muita inteligência as palavras a seu dispor, de um modo que soube omitir e expor em dosagens muito bem pensadas. Talvez porque ele tenha conseguido construir uma narrativa em que, até a penúltima frase, o leitor tenha uma ideia em mente para, somente na frase final, perceber a reviravolta que sempre esteve ali, à espreita... Enfim, o porquê aqui é o que menos importa. Neste blog, a intenção principal é levar a essa viagem pelas palavras, experimentando as possibilidades que elas nos trazem... E é isso o que vamos fazer agora. Apreciem o (segundo) conto que o Gabriel me encaminhou:

"A Mosca

Então, Bêntin, hoje eu matei uma mosca. Assim, tava lá vendo o jogo e lá vem ela, dando aquele zumzumzum todo pela casa... nem sei de onde veio... Do quinto dos infernos, só pode! Bem, eu até pensei em não levantar, sabe? Não sabia se valia o esforço, mas ela já tava começando a me irritar. Tava aqui ó, no pé do ouvido, zunindo naquele agudo chato... Fazendo barulho mesmo. Perturbou tanto que eu resolvi sair do sofá, pra dar um fim naquela desgraça! Corri quase a casa inteira atrás da danada, até que ela tentou fugir pela janela da cozinha. íiiiiiiiih, foi aí que eu peguei ela!

Meti-lhe um tapa, bati e pisei na safada, só de raiva. Dei um jeito naquele zumbido. E tava ela lá, a desgraçada da mosca, amassada no chão da cozinha. Fui dar uma olhada mais de perto pra ver se não tava se mexendo ainda. Era daquelas mais gordinhas, dava até pra ver aquele sanguinho saindo dela. Ainda tenho que ir lá limpar... Mas naquela hora só fiz pegar uma latinha que tava gelando e voltei lá pra dentro, pra ver meu jogo.

Bêntin, depois dessa história toda, eu fiquei pensando: mosca se escreve com ésse-cê ou com cedilha?"

 

Gente, olha só... Quando comecei a ler, parecia realmente uma história sobre nosso cotidiano, com um personagem longe de qualquer idealização, certo? Seja pela forma como ele se refere à “mosca”, ou pela linguagem dele na maneira de se expressar... A questão é que ele consegue se tornar um personagem não muito agradável já antes de a gente se dar conta do que realmente se passou na situação narrada. Por mais que seja possível se identificar com o incômodo descrito no comecinho – quem nunca se viu perseguido por um zumbido irritante de mosquito, a ponto de perder a paciência? – o jeito como o narrador-personagem conta ter resolvido o problema parece um pouco demais. De todo modo, seguimos com uma narrativa que, para mim, já estava interessante pela imersão no personagem devido à escrita do Cotrim... Mas então...

Ah, então... Quando faltavam apenas algumas poucas palavras para o conto se encerrar, o Gabriel me vem com essa frase: “mosca se escreve com ésse-cê ou com cedilha?”. No momento eu que eu li isso, franzi o cenho. Devo ter demorado uns dois segundos até cair em mim. Daí a breve expressão de estranhamento deu lugar ao espanto boquiaberto, junto a uma exclamação: “Caramba!”

Esse conto, obviamente, funciona apenas por escrito. Oralizado, ele perderia seu impacto. Afinal, a dúvida do narrador gira em torno da escrita correta da palavra “moça”, perguntando a seu interlocutor se o correto seria escrever com “ç” ou “sc” (um dígrafo, a exemplo do que ocorre em “piscina”).

Compreendendo enfim que a dúvida do narrador nos leva a entender que “mosca”, na verdade, seria “moça”, a leitura do conto ganha um novo tom, saindo do aspecto cotidiano e familiar para um gênero de violência mais forte e perturbador. É praticamente impossível não voltar ao início e reler o conto, apenas para enxergar toda a situação agora sob esse novo viés, a fim de sentir que voltamos a ter controle sobre o que lemos.

Que experiência, Cotrim! 

Muito obrigada por esse conto!

Quem quiser conhecer mais do Gabriel Cotrim, pode acompanhá-lo por esta conta no Instagram: @ocotrim_

Vale a pena! 😉

 

E vamos continuar com as publicações! Fico imensamente feliz em anunciar que alunos vêm me procurando para mostrar seus escritos! Já tenho aqui engatilhados três textos para divulgar nas próximas postagens! Muita coisa boa vem por aí, gente! Então continuem acompanhando!! 😊

Beijo grande, pessoas! 😘

Até a próxima!! 🙋